Presente!

moment

Quando a gente muda de país, algumas coisas tornam-se latentes logo nos primeiros dias: a língua que falam não é a sua, as pessoas são diferentes, a comida é diferente, existe uma burocracia que lhe é desconhecida e normas sociais que você não domina. Resumindo, as diferenças – muitas vezes gritantes – se tornam latentes logo de cara.

E junto com as diferenças pode vir junto uma sensação de não-pertencimento. Você sente que não pertence àquele lugar, àquele povo, que você não faz parte do que está acontecendo naquele momento. Você quase consegue se ver como uma outra pessoa, vivendo num outro mundo. Você se sente, em certa medida, um ET.

Essa é uma sensação normal e acontece provavelmente com todos que vivem uma experiência transcultural. Só que o problema é que quanto mais você se permite senti-la, mais você agirá como alguém que não pertence. Sim, porque é aquela coisa: o que você pensa determina como você sente, que determina como você age.

Não estou dizendo aqui que você deve suprimir o sentimento. Nada disso. Mas aprendi, nesses últimos dias, que é preciso transformá-lo. Num primeiro momento, sente-se como um ser que não pertence ao lugar. Mas depois, a ótica precisa ser mudada para algo bem simples: eu pertenço ao lugar em que estou nesse momento. Ou seja, no presente eu pertenço a esse lugar.

Pode ser que amanhã eu já não pertença. Mas se estou aqui, agora, eu pertenço sim a esse lugar. E eu preciso estar aqui, presente, pra desfrutar de tudo o que ele pode me oferecer.

E essa máxima não vale apenas para quem vive em outro país ou longe de casa. Vale para quem mudou de emprego, para quem está num novo relacionamento. Ou melhor, vale para todo mundo que olha em volta em determinado momento e não se sente parte daquilo que está acontecendo.

Claro que se você não se sente parte de algo, você pode mudar. Pode sair do seu emprego, entrar num novo relacionamento, aprender a lidar melhor com as situações. Mas antes de fazer qualquer coisa, tenha a certeza de que você se entregou por inteiro àquele momento. Que você esteve lá quando devia estar.

Porque isso, infelizmente, é algo que fazemos tão pouco. Vivemos o passado, sofremos o futuro, mas deixamos o presente abandonado. Então, que tal vivê-lo intensamente e se fazer presente? Eu aceitei o desafio e estou fazendo a minha parte!

Em obras

Durante um bom tempo da minha vida, fiz de conta que tava tudo bem. Coloquei um sorriso forçado no rosto e tentei levar as coisas de forma que não tivesse que encarar a realidade. Só que, com isso, fui engolindo sentimentos, desejos, pensamentos e, quando dei por mim, dona realidade apareceu na balança e, com ela, trouxe quase 140kg de brinde.

Por mais clichê que pareça, acredite, não há como fugir de você mesmo. Não adianta fazer de conta que não se vê, que não se percebe, que não se sente. Chega uma hora que, em alguma esquina, em alguma curva, você dá de cara com você mesmo. E aí, não resta outra saída a não ser acertar as contas. E foi exatamente o que eu fiz.

Decidi que era hora de arrumar a casa. Mas a coisa tava tão bagunçada, tão de pernas por ar (afinal, foram anos de negligência), que tive que colocar tudo pra fora. Abri todos os cômodos, as gavetas e tirei tudo o que havia ali. Fui jogando fora sentimentos, pensamentos, pré-conceitos. Fui varrendo de mim mesma todo o lixo e ensacando tudo o que estava vencido.

Depois, foi a hora de avaliar a estrutura da casa. Vazia, pela primeira vez em muito tempo, mostrou-se como realmente era: um lugar com necessidade de reforma e cuidados imediatos. E lá fui eu, derrubar paredes, reconstruir muros, reforçar as estruturas.

De lá pra cá, estou no meio do processo de decoração. Como muita coisa foi jogada fora, ando escolhendo com cuidado o que irá fazer parte da minha mobília, o que irei colocar na parede. Mas de uma coisa tenho certeza: não quero colocar aqui dentro nada que os outros achem que devo colocar. Somente aquilo que realmente me serve.

E o que me serve? Ainda estou descobrindo. Mas já sei, com certeza, algumas coisas que não me servem. Padrões de beleza, por exemplo, não decoram minha casa. Sou única, sou singular e tenho tentado, do meu jeito, respeitar quem eu sou. Apesar de estar envolvida em um processo de emagrecimento, que inclui sim uma parte estética, tenho, a cada dia, tentado me livrar da obrigação de me tornar como a moça da revista. Que, verdadeiramente, não sou.

O que sou, enfim? Hoje, uma pessoa em busca da leveza, de descobrir o jeito de viver que a faz realmente feliz. Uma pessoa aprendendo a se cuidar, aprendendo a se amar e que está sim, curtindo todo esse processo. Uma pessoa, em obras. Simples assim (ou nem tanto…).

***

Sobre padrões e tudo mais, Catylinda me mandou um link com um texto excelente. Leiam, leiam, leiam. E depois, reflitam, reflitam, reflitam. E, se necessário, mudem, mudem, mudem. 🙂

Simplesmente gente

Você pensa assim e eu assado
Você gosta cozido e eu ensopado
Você ouve sertanejo e eu só os clássicos
Você lê Foucault e eu autoajuda
Você usa calça e eu só bermuda
Você anda torto e eu direito
Você curte o certo e eu o mal-feito
Você não se perfuma e eu só ando perfumada
Você não se produz e eu vivo emperiquetada

O interessante disso tudo é perceber
que eu sou eu e você é você
ou seja
a gente não precisa sempre concordar
e que tal a gente combinar
de ao menos se respeitar?

Porque falando bem diretamente
eita coisa mais feia
tentar impor em todo mundo
a sua visão, a sua opinião
afinal, o mais legal de viver
é exatamente isso:
é curtir o outro por ser diferente
é gostar de quem pensa bem diverso da gente!

O domador

A cabeça procura um lugar
onde o coração não está
passeia por todas as direções
segue em todos os rumos
desvia-se de cheiros
evita as lembranças
mas, mesmo quando se cansa
consegue ouvir o danado do pulsar
corre, viaja
passeia por todas as direções
segue em todos os rumos
mas não há pouso seguro
em todos os lugares
lá está o coração
ditando sentimentos
sufocando a razão
exausta, a mente se rende
e resolve se entregar
não sem protestar, claro
mas o que se há de fazer
quando ele invade todos os lugares,
impondo sua presença?
O que se há de fazer
quando ele nada respeita
e se põe logo a se intrometer
em tudo o que se possa ver?
O jeito é mesmo se entregar
e se deixar, enfim, pelo coração domar.